quarta-feira, 3 de dezembro de 2014
aviso
também escorre
pelo ralo
lambe o esgoto
come sujeira
vira rato
se apaixona
vira sublime
pr'um sujeito:
não só o nobre
sabe fazer
amor e amar
terça-feira, 23 de setembro de 2014
licença poética
e me apareceu uma hiena sorrindo e acenando.
não, não senti nojo,
na verdade, me simpatizei
e senti falta da minha infância com hienas.
eu decidi convidar a hiena pra jantar
e ela se juntou a mim, e se esbaldou, e me sorriu.
(eu não sabia mais o que era sorriso
desde que havia deixado minha casa de hienas)
eu sorri de volta -
fazia muito tempo que alguém não me sorria -
e acariciei os pelos do animal,
que apenas continuou a comer e a sorrir.
eu sorri de volta -
fazia muito tempo que alguém não me sorria -
e enlacei minhas pernas no rabo do animal -
que apenas continuou a comer e a sorrir.
eu sorri de volta -
fazia muito tempo que alguém não me sorria -
e beijei o pelo da hiena -
que apenas continuou a comer e a sorrir.
e eu senti o cheiro de podridão em seu hálito.
e a hiena se empanturrava e sorria.
fazia muito tempo que alguém não me sorria.
a hiena comeu tudo o que eu tinha,
sempre sorrindo pra mim,
e eu fiquei com medo de não ter nada a oferecer.
eu arranquei um braço e o ofereci,
ela recusou,
para ela, eu arranquei o outro braço,
ela recusou,
para ela, eu arranquei também as pernas,
ela recusou,
por causa dela, eu sangrei e definhei, mas ela sorria.
meus braços apodreceram,
ela aceitou,
minhas pernas apodreceram,
ela aceitou,
eu apodreci, ela me sorriu e, fugazmente, se fartou.
sexta-feira, 6 de junho de 2014
Rachel em 12 versos
Pede pra eu arder
E eu ardo
Pede pra eu arder
E eu dardo - no alvo
Pede pra eu morder
E eu ardo
Pede pra eu não arder
E eu - eu?! - penso
E eu não penso
Ardo
Você quer - você não quer?!
E eu?! Ardo.
terça-feira, 22 de abril de 2014
pagã
num Carnaval
mascarado
cê há de ser mal educado
e há de perder meu gê
cê há de ser menos apaixonado
e há de não me querer
num Carnaval
mascarada
ainda hei de errar seu nome
e vitoriosa esquecer seu rosto
conseguirei perder seu toque
e finalmente odiar seu gosto
num Carnaval
embriagada
(por fim perdida dormindo pelada!)
temerei amar de novo o mesmo nome,
e desejar de novo o mesmo gosto,
e me perder de novo pelo mesmo toque
enquanto isso,
como sempre sóbrio
(nada perdido, à espreita da caça)
cê há de me invadir a me apresentar você
e apaixonadamente me entorpecer
e me manter prisioneira desse meu querer.
segunda-feira, 31 de março de 2014
domingo, 16 de março de 2014
vetor
me direciona
e significa
(minto, ressignifica)
sua direção e sentido
no sentido de me atravessar
e violar
e perfurar
e doer
me pergunto
se te significo
me pergunto
se teus sinais
te transmitem
e muito mais
sempre.
e me perturba
e me machuca
e me magoa
e me distoa
e me encontra
e me distorce
qual direção?
qual sentido?
se é que há
se é que existe esse lugar
já estou lá
no sentido e direção oposta
fazendo uma só aposta
infinita em fichas
e perspectivas
e expectativas
de te violar
e perfurar
e te doer
de ser pra você direção e sentido
de te vetar
e santificar.
sexta-feira, 14 de março de 2014
vegan
que "Quando o coelho come alface,
é a alface que vira coelho,
não o coelho que vira alface".
filosoficamente falando
isso me leva à problematização
desse mundo de gente faminta:
é muito importante definir
quem é devorado e quem é devorando.
antes que fique confuso
esse poema pouco pragmático
vou deixar bem claro - de um modo quase dogmático:
na minha mesa eu como você
e não o contrário.
poeminha repetido
morreu de novo
uma mulher grávida
a pobre morreu de desgosto
nada foi dito
e nenhum rei foi deposto
morreu de novo
um menino novo
o pobre morreu de tiro
quando disse
"sou adulto e me viro"
morreu de novo
um rapaz jovem
o pobre morreu num rompante
antes de dizer
qualquer coisa arrogante
morreu de novo
um homem velho
o pobre morreu trabalhando
já não dizia
passava os dias ralhando
morreu de novo.
quinta-feira, 6 de março de 2014
sadismo
tem o gosto de sua pele:
um salgado que me adita
um ácido que arrepia
um picante que repele
esse sabor residual de cinzas
tem o gosto da sua boca:
um doce que me enfeitiça
um amargo que castiga
uma nota que desloca
esse sabor residual de ti
tem o gosto de um espelho:
um reflexo que retruca
um crocante que machuca
e deixa um riso vermelho
domingo, 2 de março de 2014
Poder
Querer estar
É diferente
De querer ter
Que é diferente
De querer ser
Que é diferente
De querer saber
Que é diferente
De querer dispor de...
Estar
É diferente de ter
Que é diferente de ser
Que é diferente de saber
Que é diferente de dispor de.
Estar, ter, ser, saber, dispor de.
Dispor de.
quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014
sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014
Areia
Antes que me fuja... (a coragem)
Antes que me aguarde... (o silêncio)
Antes que eu me abandone
Entre parênteses e minúscula
(rá!)
Deixe-me alçar um vôo
Deixe-me chegar ao céu
Vou te levar comigo!
...
Tenho aqui umas asas meio desgastadas
Outras também que nunca foram usadas
(umas sabem muito do mundo; outras não sabem nada)
Sinta a brisa no rosto
Sinta o sol sobre o corpo
Sinta a felicidade
Faltam-me as palavras
Ignoro a coragem -
ou a falta dela -
Vôo de mãos dadas
Com o silêncio.
quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014
Paralelas
Você linear;
Eu nem tanto.
Matemática:
Paralelas se cruzam
No infinito.
Você linear,
Eu irregular
(linhas musicais)
Lado a lado
Paralelas
Você linear
(gosto tanto!)
Gosto de desenhar
(irregular)
As linhas
Do seu rosto
Gosto de desenhar
Paralela a você
Gosto de me encontrar
Paralela a você
No infinito.
quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014
fui-me embora de Pasárgada
segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014
o virgem iii
pelo qual esperei,
cê não sabe (ou sabe)
mas andou me ensinando
a esperar...
o sabor que provei -
doce, salgado, não sei
cê não sabe (ou sabe)
mas gosto da bíblia
(descobri)
o sabor que provei -
sal e luz, isso eu sei
cê não sabe (ou sabe)
mas faz do verbo carne.
quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014
quarta-feira, 29 de janeiro de 2014
Tempo
terça-feira, 28 de janeiro de 2014
Monogamia é crime
segunda-feira, 27 de janeiro de 2014
Autobiografia
Eu gosto de escrever com alguma maquiagem - mesmo que eu não me amarre muito em usar maquiagem. Mesmo precisando andar o máximo de tempo possível descalço, minhas letras caminham de salto alto. Que bobeira! Quando me fizeram usar maquiagem, e adornos, e salto alto, e palavras doces, eu orava e me torturava todos os dias pra me tolerar. Não passava de uma boneca de ferro - eu? aquela realidade? E ainda sinto medo de pessoas que tentem me fazer parecer algo que não sou.
Por vezes sou tão grossa e tão dura, tão impessoal e amarga, tão correta e cobradora, tão hipócrita, só pra que saibam que não quero que me moldem. Certa vez uma amiga disse, depois que terminei um relacionamento duradouro, que nunca achou que eu fosse ficar por tanto tempo assim com alguém. Eu não sei porque as mulheres dessa família - e as amigas das mulheres dessa família - fazem questão dessa vocação pela caridade.
Não, eu não me considero incapaz de relacionamentos duradouros. Até que vou bem neles, muito apaixonada. Pouquíssimas coisas me fazem feliz. E um preceptor que eu considero muito sábio dizia que a gente tem mesmo que ser feliz com pouco. Mas essa amiga me disse isso e me marcou. Acho que é por causa do meu duplo aquário. Outra vez um sujeito foi brincar de olhar até cansar comigo (olhar nos olhos, bem fundo, sem piscar). Ele se achava forte e depois de um tempo desistiu. Por fim disse: "você é forte". E eu acho que ele me subestimou, mas não é culpa dele. Eu tenho essa coisa de me sentir bem sendo subestimada. Sendo subestimada e depois surpreendendo. Ele achava que aquarianos fossem da água, mas esse povo pertence ao ar.
Não que eu não me identifique com as águas, sempre caminhando, água ou caminhão, carreta, trator, sempre em frente, buscando meios, brechas, frestas. De preferência as negligenciadas, de preferência aquelas pelas quais vou passar sem que percebam, e chegar - não atrás, não na frente, mas chegar. Outro dia eu fui comprar água e você chegou na frente, e brindamos a não sei o que. Não que houvessem poucos motivos pra brindar, na verdade, acho que haviam muitos, daí fiquei sem saber qual era o sentido daquilo. Não, eu não tava procurando sentido. Sim, eu fiquei feliz com a delicadeza do gesto. Também não sei se era essa a sua intenção.
Quando meus amigos descobriram que meu personagem preferido do X-Men era o Noturno, eles fizeram chacota de mim. Tudo bem, eu continuei gostando dele mesmo assim. Mas quando meu pai chegou no meio da conversa e descobriu quem era o personagem, o que fazia, meu pai disse que eu gosto mesmo de fugir. Meu pai é meio assim, tem uma sensibilidade, sabe das coisas - não sabe de muitas outras - e nosso relacionamento nem é tão bom. Melhorou muito depois que eu descobri que, realmente, essa coisa de maquiagem e salto alto é desnecessária.
Engraçado que quando eu descobri que adorno demais era bobagem, eu adquiri um certo gosto por eles. Essa coisa de ser diferente, essa rebeldia que vai se incorporando ao nosso olhar com o tempo (não sei onde foi que eu li isso, mas era bonito e ficou marcado em mim). A gente amadurece, a gente aprende a ser camaleão, a gente aprende a brincar com a nossa vaidade. Tem dias que eu me quero enfeitada, tem dias que eu me quero pelada, tem dias que eu me quero vazia - e geralmente nesses dias eu tô cheia.
Cacete! Eu sinto falta da religiosidade. Mas tá difícil porque eu tenho medo da hipocrisia que cada templo guarda. Tenho preferido os guetos religiosos porque lá se escondem os vulneráveis. Ninguém vai lá pra se exibir, com a melhor roupa, com a melhor auréola e asa, com a melhor aura. Vão os desesperados, os sem bom gosto e os sem bom-senso. Taí, esse é o meu Deus. Eu sinto falta dele nesse mundo católico-protestante em que ir à igreja se transformou numa droga que instila poder nas veias dos que adoram.
Já escrevi demais, deixei rolar. Por favor, não venham com censuras. Essa autobiografia foi devidamente autorizada.
Aquariana
A aquariana pousa.
Se o que se quer é uma outra coisa
A aquariana ousa.
Se o que se quer é muito amor
A aquariana
É a mulher macho sim senhor.
Porém não são possessivas
Nem procuram dominar
Ou são meigas e passivas
Ou botam para quebrar.
em 'A Mulher e o Signo', de V. M.
quinta-feira, 23 de janeiro de 2014
O virgem II
- mas, ai de mim!, se ele tivesse todos os gostos que já imaginei...
Despertaria meus sentidos a ponto de doer e doer, e sangrar, e ferver, e matar, e sentir e por fim me arrepiar, e dormir, e sonhar.
E eu me pegaria abandonando tudo só pra te mostrar o que vi de mais lindo no mundo, e ensinar e escrever e fotografar e te manter horas a fio em vigília pra quem sabe (quem sabe?) conseguir enfim te fazer sentir parte do infinito como eu me senti?
quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
O Virgem
Sobre o amor, embriagaram-me com a ilusão de que é ébrio e passivo.
Passivo entende;
Ébrio constrói;
Passivo aceita;
Ébrio perpetua.
Sobre o amor, convenci-me de que o encontraria às rédeas soltas.
Incorporei muitas verdades sobre isso; desprezei muitas mais, que me contradiziam.
Procurei de todas as formas entorpecer-me...
...
E, por fim, o máximo que consegui foi amar a mim mesma -
através dos outros.
Poesia emendada em 24/01
domingo, 12 de janeiro de 2014
Banho
Andei esfregando cada reentrância de mim -
Esponja... Escova... Por fim lixa -
Saía do banho:
Lisa.
(mas a lisura durava cada vez menos)
Cada vez mais frágil,
Cada vez mais bela,
Cada vez mais banhos.
Parei de tomar banho.
Ainda tem que os dias andavam tão empoeirados
Que ao sair com o corpo molhado
Tocando a poeira:
Lama.
(capa espessa que limitava os movimentos)
Cada vez mais suja,
Cada vez mais grossa,
Cada vez mais banhos.
Parei de tomar banho.
Aposentei a lixa, comprei um espanador.
Ao acordar, antes de dormir
Só bato a poeira:
Limpa.
(devolvo ao léu aquilo que não se incorporou)
Cada vez menos frágil,
Cada vez menos grossa,
Cada vez menos banhos.
...
Pra esquecer essa coisa de banho
Aceitei a sujeira de minha alma.