quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

Tempo

Antes de começar esse texto, acendi um incenso pra tentar isolar o quarto e o meu espírito das suas ambições. E também te isolar das minhas ambições, mas não sei se esse cheiro de fumaça e arruda é o bastante. Minha cabeça roda e isso vai muito além da bebida, hoje a noite se resumiu a alguns aperitivos, ando devagar. Apesar da minha mania (psiquiatricamente falando), meu tempo é esse mesmo, devagar. Nem eu sei lidar com tanta contradição em mim.

Cansada de sonhar com você. Já é a terceira vez. Em nenhuma delas você... Putz, essa minha adição em te abraçar e beijar e sentir o gosto do perfume na sua pele. Ando pelos cantos a mapear meu travesseiro, aqui ou ali te encontro, viro e me reviro na cama, se aqui o cheiro acabou, ali tem mais. E suas mãos que eu gosto de colocar no meio das minhas coxas - que bom que você sabe que não é por nada, é só pela pressão, pelo calor, pelo contato. Fiz questão de te levar até a porta pra que voltasse. Dessa semana não passa, coloco a roupa de cama pra lavar.

Cansada dessa curiosidade que você me impõe. Tô começando a ficar confusa. Quando criança aprendi a fazer bolas de areia que ao atingirem o alvo tinham um resultado devastador. Era questão de juntar a areia certa (bem fina, de preferência), molhada pela água do mar quando a onda se ia, e enrolar até que ela secasse um pouco e tomasse forma. Por fim, pegava areia seca e passava pela sua superfície. Ficava perfeita e deveria ser usada na hora, se guardada secava e se desfazia. Eu sabia o timing da bomba de areia mas sou péssima com o timing dos relacionamentos interpessoais. Por vezes tenho a impressão de que se desfaz em minha mão algo que já deveria ter sido lançado em direção ao seu destino devastador. E então... Impossível fazer outra igual.

Cansada dessa minha dificuldade em me comunicar. Cansada de pensar mais rapidamente do que dizer ou escrever. Cansada de dizer em meias palavras o que não precisa de palavra nenhuma pra ser dito.

terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Monogamia é crime

Não é de hoje que venho escrevendo alguns textos sobre relacionamentos. Isso porque gosto muito: gosto de me relacionar e gosto de falar sobre o assunto. E o assunto da vez é traição. Outro dia li um texto que minha irmã Rebecca curtiu no Facebook que falava - mesmo que algo indiretamente - sobre isso e senti necessidade de ensaiar, mas calhou de eu me deparar com uma sensação de despreparo tão grande que congelei. Queria falar muito, sobre tudo, como alguém que vê o mar pela primeira vez e quer descrevê-lo de uma patacada só. Mas como levo o assunto a sério (e não é segredo que haja muita pessoalidade nisso), achei por bem esperar e falar precisamente - mesmo assumindo que seja impossível, considerando a matéria. E, recorrendo à razão, espero não me trair em minhas palavras.

Acontece que andamos às voltas comendo, bebendo e fumando e surgiu o raio do assunto na mesa. Eu não sei como foi isso, porque eu tinha ido em casa tomar um banho pra pular de um plantão pra outro, só sei que quando voltei os ânimos estavam exaltados, e me perguntaram: 'Rachel, o que que é traição pra você?'. Putz, emudeci. E deu tempo pra "reperguntarem" e reformularem a questão, não fez diferença, porque o importante foi o que veio depois.

Daí que pra começar eu disse: 'Pra mim, traição é me expor'. Gente, eu me confesso cética de carteirinha, e preciso de muita terapia pra deixar de acreditar que fidelidade conjugal é uma utopia, virtualmente impossível, não existe! Sem muita animosidade, afirmei: 'Quer fazer putaria? Vai pro Amazonas, pro Pantanal, pro Raio-Que-O-Parta, mas não me expõe socialmente e não vem me contar "Maria Arrependida" depois!'. Vish! A conversa ainda andou e desandou muitas vezes, mas sempre em frente, e nessa até que eu amadureci. Um baita dum dinheiro com terapia economizado.

Deixando a filosofia de botequim de lado, e tentando aprimorar a coisa, o que mata nos relacionamentos quando a gente vai falar de traição é a expectativa. O que é que você tá esperando do outro? O que é que o outro espera de você? É um cabo-de-guerra danado, um puxa daqui, o outro dali, e, se Deus quiser!, o jogo não acaba (ou acaba amigavelmente). E quem ganha?

Eu costumo dizer que quem dá um voto de confiança nunca pode ser recriminado. Confiar é uma virtude. E então, pra falar sobre traição, é preciso primeiro delimitar a relação de confiança: consigo mesmo, com o outro. Até onde você sabe que você pode ir e até onde você pode puxar a corda com segurança pra não forçar demais a brincadeira e fazer alguém se estabacar no chão derrotado? Você confia em si mesmo pra assumir um relacionamento monogâmico? Show! E um relacionamento aberto (o que quer que seja que isso queira dizer)? Ótimo! Se você reconhece seus limites, temos meio caminho andado. Mas, e os limites do(s) outro(s)? Esses você não conhece, e só vai conhecer se estiver disposto e disponível para o diálogo.

Assuma que o outro é uma incógnita e assuma também os seus limites. Tem-se, aí, um ponto de partida. Indo além na questão, assuma que nesse mundão existe muito mais do que apenas um príncipe e uma princesa encantados. Não, ele não é o único que te despertará sentimentos nobres e "impuros". Não, ela não sente tesão e admiração só por você. E aí? E aí, amigo, que na hora em que você se faz essa pergunta, existe uma relação de confiança em jogo, e muito provavelmente a possibilidade de um terminar esborrachado resmungando pelos cantos. E eu não tô falando só do lado que tem vocação pra monogamia, inconformado com o parceiro-poligâmico-incorrigível. Tô falando também daquele que reconhece seu lado poligâmico mas o recusa por um comprometimento social que poderia até ter sido negociado com o outro - ou não.

Fudeu, jovem, porque tanto o sim, quanto o não podem terminar com gente magoada - e talvez você nunca tenha pensado nisso. Mas, fazer o que, se você quer continuar brincando com o vencido ou com o vencedor (ô metáfora infeliz!), estenda a mão - ou simplesmente se levante - e bata a poeira; siga em frente. E lembre-se, além de muitas crianças pra brincar no playground, existem infinitos jogos a serem jogados. E inventados!

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Autobiografia

Eu tava olhando a janela. Porra! Nem todas as janelas que eu queria olhar estavam por aqui. Mas tudo bem, mesmo que eu fosse escolher algumas janelas pra olhar, eu não escolheria todas. Deixaria algumas ocupadas por personalidades randomizadas desconhecidas. Eu gosto de novidade. Eu gosto de provar, saber se gosto - se desgosto. Se eu escolhesse todas as janelas, tudo teria o mesmo gosto (mais do mesmo). E mesmo as janelas que eu escolhesse, seriam aquelas das pessoas que eu sei que me surpreenderão. Nessa minha imaginação, as pessoas são capazes de nos surpreender, mesmo após anos de convivência. Não, não nessa minha imaginação, nessa minha realidade.

Eu gosto de escrever com alguma maquiagem - mesmo que eu não me amarre muito em usar maquiagem. Mesmo precisando andar o máximo de tempo possível descalço, minhas letras caminham de salto alto. Que bobeira! Quando me fizeram usar maquiagem, e adornos, e salto alto, e palavras doces, eu orava e me torturava todos os dias pra me tolerar. Não passava de uma boneca de ferro - eu? aquela realidade? E ainda sinto medo de pessoas que tentem me fazer parecer algo que não sou.

Por vezes sou tão grossa e tão dura, tão impessoal e amarga, tão correta e cobradora, tão hipócrita, só pra que saibam que não quero que me moldem. Certa vez uma amiga disse, depois que terminei um relacionamento duradouro, que nunca achou que eu fosse ficar por tanto tempo assim com alguém. Eu não sei porque as mulheres dessa família - e as amigas das mulheres dessa família - fazem questão dessa vocação pela caridade.

Não, eu não me considero incapaz de relacionamentos duradouros. Até que vou bem neles, muito apaixonada. Pouquíssimas coisas me fazem feliz. E um preceptor que eu considero muito sábio dizia que a gente tem mesmo que ser feliz com pouco. Mas essa amiga me disse isso e me marcou. Acho que é por causa do meu duplo aquário. Outra vez um sujeito foi brincar de olhar até cansar comigo (olhar nos olhos, bem fundo, sem piscar). Ele se achava forte e depois de um tempo desistiu. Por fim disse: "você é forte". E eu acho que ele me subestimou, mas não é culpa dele. Eu tenho essa coisa de me sentir bem sendo subestimada. Sendo subestimada e depois surpreendendo. Ele achava que aquarianos fossem da água, mas esse povo pertence ao ar.

Não que eu não me identifique com as águas, sempre caminhando, água ou caminhão, carreta, trator, sempre em frente, buscando meios, brechas, frestas. De preferência as negligenciadas, de preferência aquelas pelas quais vou passar sem que percebam, e chegar - não atrás, não na frente, mas chegar. Outro dia eu fui comprar água e você chegou na frente, e brindamos a não sei o que. Não que houvessem poucos motivos pra brindar, na verdade, acho que haviam muitos, daí fiquei sem saber qual era o sentido daquilo. Não, eu não tava procurando sentido. Sim, eu fiquei feliz com a delicadeza do gesto. Também não sei se era essa a sua intenção.

Quando meus amigos descobriram que meu personagem preferido do X-Men era o Noturno, eles fizeram chacota de mim. Tudo bem, eu continuei gostando dele mesmo assim. Mas quando meu pai chegou no meio da conversa e descobriu quem era o personagem, o que fazia, meu pai disse que eu gosto mesmo de fugir. Meu pai é meio assim, tem uma sensibilidade, sabe das coisas - não sabe de muitas outras - e nosso relacionamento nem é tão bom. Melhorou muito depois que eu descobri que, realmente, essa coisa de maquiagem e salto alto é desnecessária.

Engraçado que quando eu descobri que adorno demais era bobagem, eu adquiri um certo gosto por eles. Essa coisa de ser diferente, essa rebeldia que vai se incorporando ao nosso olhar com o tempo (não sei onde foi que eu li isso, mas era bonito e ficou marcado em mim). A gente amadurece, a gente aprende a ser camaleão, a gente aprende a brincar com a nossa vaidade. Tem dias que eu me quero enfeitada, tem dias que eu me quero pelada, tem dias que eu me quero vazia - e geralmente nesses dias eu tô cheia.

Cacete! Eu sinto falta da religiosidade. Mas tá difícil porque eu tenho medo da hipocrisia que cada templo guarda. Tenho preferido os guetos religiosos porque lá se escondem os vulneráveis. Ninguém vai lá pra se exibir, com a melhor roupa, com a melhor auréola e asa, com a melhor aura. Vão os desesperados, os sem bom gosto e os sem bom-senso. Taí, esse é o meu Deus. Eu sinto falta dele nesse mundo católico-protestante em que ir à igreja se transformou numa droga que instila poder nas veias dos que adoram.

Já escrevi demais, deixei rolar. Por favor, não venham com censuras. Essa autobiografia foi devidamente autorizada.

Aquariana

Se o que se quer é a boa esposa
A aquariana pousa.
Se o que se quer é uma outra coisa
A aquariana ousa.
Se o que se quer é muito amor
A aquariana
É a mulher macho sim senhor.
Porém não são possessivas
Nem procuram dominar
Ou são meigas e passivas
Ou botam para quebrar.

em 'A Mulher e o Signo', de V. M.

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014

O virgem II

Eu não poderia saber o gosto do seu beijo
- mas, ai de mim!, se ele tivesse todos os gostos que já imaginei...

Despertaria meus sentidos a ponto de doer e doer, e sangrar, e ferver, e matar, e sentir e por fim me arrepiar, e dormir, e sonhar.

E eu me pegaria abandonando tudo só pra te mostrar o que vi de mais lindo no mundo, e ensinar e escrever e fotografar e te manter horas a fio em vigília pra quem sabe (quem sabe?) conseguir enfim te fazer sentir parte do infinito como eu me senti?

quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

O Virgem

Sobre o amor, embriagaram-me com a ilusão de que é ébrio e passivo.

Passivo entende;
Ébrio constrói;
Passivo aceita;
Ébrio perpetua.

Sobre o amor, convenci-me de que o encontraria às rédeas soltas.
Incorporei muitas verdades sobre isso; desprezei muitas mais, que me contradiziam.
Procurei de todas as formas entorpecer-me...

...

E, por fim, o máximo que consegui foi amar a mim mesma -
através dos outros.

Poesia emendada em 24/01

domingo, 12 de janeiro de 2014

Banho

Parei de tomar banho.

Andei esfregando cada reentrância de mim -
Esponja... Escova... Por fim lixa -
Saía do banho:

Lisa.

(mas a lisura durava cada vez menos)

Cada vez mais frágil,
Cada vez mais bela,
Cada vez mais banhos.

Parei de tomar banho.

Ainda tem que os dias andavam tão empoeirados
Que ao sair com o corpo molhado
Tocando a poeira:

Lama.

(capa espessa que limitava os movimentos)

Cada vez mais suja,
Cada vez mais grossa,
Cada vez mais banhos.

Parei de tomar banho.

Aposentei a lixa, comprei um espanador.
Ao acordar, antes de dormir
Só bato a poeira:

Limpa.

(devolvo ao léu aquilo que não se incorporou)

Cada vez menos frágil,
Cada vez menos grossa,
Cada vez menos banhos.

...

Pra esquecer essa coisa de banho
Aceitei a sujeira de minha alma.