terça-feira, 23 de setembro de 2014

licença poética

eu tava jantando hoje
e me apareceu uma hiena sorrindo e acenando.
não, não senti nojo,
na verdade, me simpatizei
e senti falta da minha infância com hienas.
eu decidi convidar a hiena pra jantar
e ela se juntou a mim, e se esbaldou, e me sorriu.
(eu não sabia mais o que era sorriso
desde que havia deixado minha casa de hienas)
eu sorri de volta -
fazia muito tempo que alguém não me sorria -
e acariciei os pelos do animal,
que apenas continuou a comer e a sorrir.
eu sorri de volta -
fazia muito tempo que alguém não me sorria -
e enlacei minhas pernas no rabo do animal -
que apenas continuou a comer e a sorrir.
eu sorri de volta -
fazia muito tempo que alguém não me sorria -
e beijei o pelo da hiena -
que apenas continuou a comer e a sorrir.
e eu senti o cheiro de podridão em seu hálito.
e a hiena se empanturrava e sorria.
fazia muito tempo que alguém não me sorria.
a hiena comeu tudo o que eu tinha,
sempre sorrindo pra mim,
e eu fiquei com medo de não ter nada a oferecer.
eu arranquei um braço e o ofereci,
ela recusou,
para ela, eu arranquei o outro braço,
ela recusou,
para ela, eu arranquei também as pernas,
ela recusou,
por causa dela, eu sangrei e definhei, mas ela sorria.
meus braços apodreceram,
ela aceitou,
minhas pernas apodreceram,
ela aceitou,
eu apodreci, ela me sorriu e, fugazmente, se fartou.